DOS LIMITES NAS AÇÕES DOS GESTORES PÚBLICOS DIANTE DA SITUAÇÃO DE CALAMIDADE OCASIONADA PELO COVID-19: a garantia da impessoalidade e da não promoção pessoal em ano eleitoral
Bertoldo Klinger Barros Rêgo Neto[1]
Priscilla Maria Guerra Bringel[2]
Fernanda Dayane dos Santos Queiroz[3]
RESUMO
Com este artigo pretende-se analisar os limites das atuações dos gestores públicos diante da situação de calamidade ocasionada pelo COVID – 19. Parte-se do ponto de que as eleições municipais serão realizadas no presente ano e assim surge a seguinte problemática: de que forma é possível garantir a impessoalidade em ano eleitoral e ainda, momento de luta contra a pandemia do Coronavírus, em que vários recursos devem ser despedidos para tal fim e as ações devem zelar pela transparência e publicidade? Para tanto, fez-se uma pesquisa exploratória e bibliográfica, utilizando jornais, artigos periódicos, uma vez que o tema é recente.
Palavras-chave: Ano Eleitoral. Calamidade. COVID-19. Impessoalidade.
- INTRODUÇÃO.
O presente artigo pretende analisar os limites da atuação dos gestores públicos diante da situação de calamidade ocasionada pela pandemia do COVID-19, levando-se em consideração que as eleições municipais no Brasil estão marcadas para novembro de 2020.
Primeiramente realizar-se-á uma análise do regime jurídico excepcional aplicado à Administração Pública, que foi instituído nos últimos meses com aprovação de várias normativas que modificaram a regulação das atividades administrativas durante a pandemia do COVID-19.
Posteriormente, pretende-se avaliar a existência de excessos e prejuízos para o pleito eleitoral, em razão da possibilidade excepcional de execução pela administração pública de programa social ou de distribuição gratuita de bens, valores e benefícios, durante estado de emergência e de calamidade pública.
Para isso, realizou-se pesquisa através de matérias jornalísticas e análise de processos que estão sendo apreciados pela Justiça Eleitoral. Com esta investigação, propõe-se uma reflexão sobre a ocorrência ou não de abuso do poder político e econômico e uso promocional dos agentes públicos e pré-candidatos nas ações de combate ao COVID-19 realizadas pela administração pública municipal.
- ANÁLISE DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA: o regime jurídico especial aplicado à Administração Pública durante a pandemia
O estado de calamidade pública em razão da pandemia causada pelo Coronavírus é de reconhecimento natural pela população e foi decretado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo 06/2020, com previsão de duração até a data de 31/12/2020.
Nesse delicado momento de crise sanitária instalada, abre-se para o gestor novas possibilidades de administrar o patrimônio público. Para isso, foi editada a Lei nº 13.979/2020 para estabelecer medidas que podem ser adotadas pelo Brasil para o enfrentamento da situação calamitosa causada pelo coronavírus, objetivando a proteção da coletividade. Dentre essas medidas, pode-se destacar a possibilidade de realização de dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados à emergência pública.
Nesse ínterim, visto que a situação de calamidade pública surgiu de uma pandemia, ou seja, uma questão de saúde pública, o Ministro do STF, Marco Aurélio (2020), no julgamento da ADI 6341 proposta pelo Partido Democrático Brasileiro (PDT), deixou claro que Estados, Distrito Federal e Municípios poderiam adotar medidas para o combate do coronavírus, considerando que se trata de competência comum desses entes.
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio destacou (2020):
as providências adotadas pelo Governo Federal não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.
Desse modo, a Corte Suprema entendeu que Prefeitos e Governadores podem adotar, juntamente com o Governo Federal, medidas de combate ao coronavírus, considerando que são matérias relacionadas à saúde, que é de competência comum da União, Estados, DF e Municípios. Isto é, partindo do plano factual de que se trata de medidas de prevenção à saúde, dispôs a Constituição Federal que se trata de competência administrativa comum a todos os entes federados.
Para viabilizar algumas ações de enfrentamento emergencial da pandemia, em atenção aos efeitos sociais e econômicos, também foi aprovada a Emenda Constitucional 106/2020 que instituiu o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações que será adotado quando não for possível ser cumprido o regime regular.
Tal normativa consiste numa exceção constitucional e temporária das regras de licitação e de concurso público, permitindo processos simplificados de contratação de pessoal e de obras, serviços e compras, assegurando, sempre que possível, a competição e igualdade de condições aos concorrentes.
A Emenda Constitucional nº 106/2020 excepcionou também a regra de que qualquer gasto público deve ser obrigatoriamente previsto nas Leis Orçamentárias, assim como afastou às limitações legais referentes ao aumento de despesa e renúncia de receitas pelos entes públicos.
Isto significa que os entes municipais, estaduais e a União estão autorizados a gastar mais com as despesas de custeio, como as despesas com materiais de consumo, como por exemplo, EPI´s, respiradores, remédios, alimentos, soros, bem como as despesas com pessoal, por exemplo, vencimentos dos profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, tendo em vista que esses são gastos extremamente necessários nesse período de pandemia.
Por último, foi sancionada a Lei Complementar nº. 173, de 27 de maio de 2020, que estabelece auxílio financeiro da União aos Estados e Municípios com a distribuição de R$ 60 bilhões para a saúde e assistência social, assim como permite o recebimento de convênios e possibilidade de realização de operações de crédito sem a necessidade de comprovação das exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse cenário, é possível que o regime jurídico vigente cause reflexos nas eleições municipais, pois ao flexibilizar contratações e aquisições pela administração pública, ao permitir o aumento de gastos públicos e possibilitar uma maior distribuição de recursos da União para os demais entes da federação, poderá intensificar a execução de ações assistencialistas nos Municípios praticadas pelos gestores públicos, que poderão se utilizar da feitura de ações governamentais e realizarem sua promoção pessoal, indo de encontro ao princípio da impessoalidade.
- A DECRETAÇÃO DO ESTADO DE EMERGÊNCIA E OS LIMITES DA EXECUÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS OU DISTRIBUIÇÃO DE BENS POR PARTE DOS GESTORES PÚBLICOS: análise da recomendação apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral do Estado do Maranhão
Levando-se em consideração a situação em que o país se encontra, algumas práticas vedadas pela legislação eleitoral estão sendo permitidas por terem em suas ressalvas, a possibilidade de serem feitas durante estado de emergência e estado de calamidade pública.
Nesse sentido, em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefício se ocorrer algumas das exceções previstas no § 10º, do artigo 73, da Lei 9504/1997:
- 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
No entanto, o artigo 73, IV, da Lei das Eleições proíbe o uso político-promocional das distribuições de bens e serviços, ainda mais em período de calamidade pública, tendo em vista que essas ações devem ser feitas dentro normalidade e de forma costumeira, sem que o ato seja desvirtuado de sua finalidade estritamente assistencial:
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público. Grifo nosso.
Diante do exposto, deve ser feita a interpretação conjunta dos dois artigos supramencionados, pois ainda vigora o entendimento de que a utilização político-eleitoral da distribuição de bens e valores em período de calamidade pública poderá configurar a prática de conduta vedada e abuso de poder político.
De acordo com Igor Pereira Pinheiro (2018) as condutas vedadas são normas que direcionam e limitam, no ano da eleição, a conduta dos agentes públicos visando garantir que a sua atuação seja sempre pautada para a consecução do interesse público e evitar o desvirtuamento do agir administrativo para finalidades eleitoreiras.
Deste modo, as vedações têm por objetivo coibir o agente público de se valer de bens e mecanismos da Administração Pública para obter vantagem na disputa eleitoral em razão do cargo que ocupa.
Neste diapasão, segundo a doutrina de Flávio Cheim Jorge, Ludgero Liberato e Marcelo Abelha Rodrigues (2017) a respeito das condutas vedadas:
o que se proíbe é a vinculação de candidato, partido ou coligação durante a própria distribuição de bens ou durante a prestação de serviços, isto é, que se atrele a imagem pessoal do gestor àquilo que oferece à população.
Nesse mesmo sentido é o entendimento do TSE (2012) ao lecionar que:
para a configuração da conduta vedada prevista no citado inciso IV do artigo 73– é necessário demonstrar o caráter eleitoreiro ou o uso promocional em favor de candidato, partido ou coligação.
Conclui-se que para identificar a prática de conduta vedada, exige-se que o ato praticado tenha por finalidade beneficiar algum candidato, pré-candidato ou partido político. No caso do Estado do Maranhão, por exemplo, a Justiça Eleitoral deverá se apegar a alguns critérios estabelecidos na Recomendação PRE-MA nº 001/2020 que ajudarão na identificação da finalidade promocional ou eleitoreira, dentre elas: a realização de discurso e/ou participação direta no momento da entrega, comprovado uso promocional da ação social e o uso de critérios subjetivos e pessoais para a escolha dos beneficiários.
Por outro lado, diante do contexto de pandemia vivenciado e de decretação de estado de calamidade na maioria das unidades federadas do país, os gestores públicos restaram autorizados a tomar providências que sejam capazes de minimizar os efeitos econômicos e sociais, como por exemplo: promover a assistência social à população mais necessitada com programas subvencionados pelas administrações municipais, conscientes de que, mesmo vigente o ano eleitoral, o dispositivo proibitivo do art. 73, §10 da Lei das Eleições pode ser relativizado diante da decretação do estado de calamidade, conforme mencionado no próprio dispositivo legal ao prever a excepcionalidade de aplicação da regra.
Como exemplo dessas providências adotadas pelo Poder Público, cita-se a atuação dos órgãos fiscalizadores eleitorais, como a Procuradoria Regional Eleitoral do Estado do Maranhão que expediu recomendação nº 001/2020 aos gestores públicos para que estes realizassem a execução de programas sociais ou distribuição gratuita de bens, valores e benefícios pela administração pública, enquanto perdurar a situação de calamidade pública.
No entanto, essa prática excepcional da distribuição “não pode se converter em abuso de poder político e econômico, como, por exemplo, quando na sua implementação ocorra uso promocional em favor de candidato, pré-candidato ou partido político, ainda que de forma subliminar (art. 73, IV, da Lei 9.504/97), bem como seja concretizada por entidades nominalmente vinculadas a candidatos ou pré-candidatos ou por eles mantidas (art. 73, §11, da Lei 9.504/97)”.
Na dicção do eleitoralista José Jairo Gomes (2020, p. 788):
Aqui não se trata de reprimir a distribuição em si mesma, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela se faça (…) Relevante para a caracterização da figura em exame é o desvirtuamento do sentido da própria distribuição, a sua colocação a serviço da candidatura, enfim, o seu uso político-promocional.
Assim, buscando preservar o equilíbrio na disputa política e garantir a lisura do processo eleitoral, a Procuradoria Regional do Estado do Maranhão, na Recomendação PRE-MA nº 001/2020, orientou aos seus Promotores Eleitorais, dentre outras recomendações, que i) instaurem Procedimento Preparatório Eleitoral para acompanharem a execução de programas sociais e de distribuição gratuita de bens, valores e benefícios; ii) que recomendem aos Prefeitos municipais e Vereadores que, ao executarem tais programas e distribuições, não façam autopromoção, nem propaganda eleitoral ou enaltecimento- ainda que subliminar- a favor de candidato, pré-candidato ou partido político, bem como que essas ações não sejam realizadas por entidades nominalmente vinculadas a candidatos ou pré-candidatos.
Acrescenta-se ainda, que iii) sejam adotados critérios objetivos e pessoais na escolha dos beneficiários e, por fim, que iv) deve ser comunicada com antecedência mínima de 2 (dois) dias ao Órgão Ministerial Eleitoral a data, o produto/serviço e o local que será executado o programa social ou feito a distribuição.
Não obstante as recomendações emitidas pelos Ministérios Públicos Eleitorais e o ordenamento jurídico brasileiro, muitos gestores municipais têm se aproveitado das ações sociais realizadas com os recursos disponibilizados para o enfrentamento da pandemia para fazer autopromoção pessoal, divulgando o assistencialismo realizado e até mesmo participando do ato de entrega dessas benesses, afrontando diretamente o princípio da impessoalidade, causando o desequilíbrio ao pleito eleitoral e cometendo atos que possam caracterizar-se como abuso de poder político e econômico.
- A PRÁTICA DE ATOS CONTRÁRIOS ÀS DIRETRIZES SANITÁRIAS INTERNACIONAIS, DOTADOS DE PESSOALIDADE, E PROMOÇÃO PESSOAL EM ANO ELEITORAL: apresentação de exemplos concretos ocorridos em regiões do país.
No início do ano de 2020, a população mundial restou surpreendida com os graves efeitos e danos ocasionados e trazidos pela pandemia do Coronavírus.
Dentre as recomendações sanitárias para o combate à pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere adotar-se o distanciamento social, isto é, evitar a aglomeração de pessoas num determinado local a fim de combater a transmissão do vírus.
Para ilustrar, traz-se o exemplo de um vereador de Campo Grande/MS que fechou os ouvidos para as recomendações da OMS e para a lei eleitoral e foi noticiado da seguinte forma pelo blog local Campo Grande News seguido de foto com os beneficiários:
Em ano eleitoral, o vereador Derly dos Reis de Oliveira, o Cazuza, resolveu passar o fim de semana distribuindo cestas básicas a pessoas sorteadas no programa de rádio que ele apresenta. Mas contra todas as recomendações de especialistas, não poupou abraços por onde passava. Fez questão de fotografar cada visita e postar nas redes sociais (KEMPFER, 2020).
Outra atitude adotada por alguns agentes políticos e bastante sugestiva para o momento foi a distribuição de máscaras com a logomarca do pré-candidato. Publicação feita em um blog noticiou que o vereador Juca do Guaraná de Cuiabá/MT teria sido denunciado pela advogada e pré-candidata ao Senado Gisela Simona por campanha antecipada e abuso de poder econômico.
O motivo, segundo a política, é que o parlamentar estaria se aproveitando do período de pandemia e distribuindo máscaras com sua logomarca nas ruas de Cuiabá. Funcionários de seu gabinete buscam locais de grande aglomeração para oferecer o equipamento.
Apesar de ser um EPI, a advogada entende que há aproveitamento da pandemia para que Juca faça campanha antecipada e utilize tal situação para promover seu nome (AGUIAR, 2020).
A Representação Eleitoral nº 0600026-75.2020.6.20.0003 da 3ª Zona Eleitoral de Natal/RN proposta pelo Ministério Público Eleitoral discorre que um vereador daquela localidade estaria distribuindo como se fosse brinde sabonete líquido com frascos contendo, no rótulo, a fotografia do vereador, seu nome e referência às redes sociais do vereador, onde eram publicadas estas ações. Nos dizeres do Ministério Público (2020):
Trata-se, pois, de manifestação pública com evidente escopo de promoção pessoal e captação de eleitorado, perfectibilizada muito antes do prazo permitido por lei para a divulgação de propagandas de cunho eleitoral, fato que merece imediata reprimenda desse Juízo, no exercício de seu poder de polícia de propaganda política.
Resta clarividente que o intuito dessa distribuição, ainda que de forma velada e, a princípio, inofensiva, seria na verdade o de promover o vereador, que é um potencial candidato à reeleição. Assim, a prática de propaganda eleitoral antecipada praticada através de uma conduta vedada foi plenamente reconhecida pelo Juízo, estabelecendo que há limites para a propaganda política para que seja garantida a igualdade entre os competidores e para evitar o abuso de poder nas eleições.
Além de constituir conduta vedada, a prática se enquadra em propaganda eleitoral antecipada, a qual é prática ilegal, conforme o § 6º do art. 39, da Lei das Eleições (BRASIL, 1997). Vejamos:
É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.
Interpretando as normas acima referidas, conclui-se que constitui propaganda eleitoral antecipada e, portanto, ilegal, toda manifestação, direta ou sub-reptícia, na qual o postulante a cargo eletivo tenta cooptar o voto dos eleitores, por meio de divulgação de suas qualidades e propostas antes do dia 26/09/2020.
Neste sentido, apresenta-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (2007):
Agravo de instrumento. Recurso especial. Negativa de seguimento. Representação. Propaganda eleitoral antecipada. Pré-candidato. Entrevista. Televisão. Divulgação. Programa de governo. Aplicação. Multa. Ausência. Violação. Lei. Reexame. Inexistência. Dissídio. Jurisprudencial. Reiteração. Argumentos. Recurso. Fundamentos não atacados. Agravo regimental desprovido.
– Agravo regimental que não infirma os fundamentos da decisão impugnada. Reiteração de argumentos do recurso.
– Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, e a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública.
Precedentes.
– Não cabe reexame de provas em sede de recurso especial (Súmulas nos 279/STF e 7/STJ).
– Dissídio jurisprudencial não caracterizado.
– Agravo regimental a que se nega provimento.
(Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n.º 8.144, de 14.8.2007, DJU de 14.9.2007, rel. Min. Gerardo Grossi, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, Classe 2ª).
Desse modo, resta evidente que, infelizmente, alguns agentes políticos estão, de alguma forma, se aproveitando da decretação do estado de calamidade pública, de crise financeira e de sofrimento para muitas famílias para se promoverem eleitoralmente. A autopromoção pessoal é a verdadeira intenção por detrás dessas ações “assistencialistas” que se vulgarizam em ações eleitoreiras.
- CONCLUSÃO
Com este artigo pretendeu-se tratar sobre os limites da atuação dos gestores públicos diante da situação de calamidade pública decorrente da COVID-19, a fim de que, através das ações sociais que o Poder Público está realizando para a população, sejam garantidas a impessoalidade, a transparência e a publicidade, evitando-se assim, que se aproveitem da sensibilidade do momento para realizarem, por meio do assistencialismo, promoção pessoal e abuso de poder que possam interferir no processo eleitoral de 2020.
Entende-se que o momento pelo qual perpassamos de grave crise sanitária, requer um gestor proativo, cuidadoso e eficiente, que se preocupe em seguir os ditames legais no enfrentamento da calamidade pública e que esteja sempre atento se a sua conduta é ou não autorizada.
Após toda a análise apresentada, conclui-se que a situação causada pelo coronavírus, sem sombra de dúvidas, está abarcada pela exceção legal reconhecida pelas três esferas federativas e flexibilizou algumas condutas vedadas, como a presente na primeira parte do §10, do art. 73 da Lei das Eleições que foi tratada nesta oportunidade, porém a Justiça Eleitoral estará atenta aos casos que extrapolarem do razoável.
Ademais, assim como a concessão de benefícios fiscais e outras medidas que podem ser adotadas pelos gestores públicos no combate à calamidade pública decorrente da pandemia, a distribuição gratuita de bens, valores, alimentos, é permitida desde que não se tenha o uso promocional em favor de candidato, pré-candidato ou partido político, estar incontestável a ausência do caráter eleitoreiro na entrega (sem a participação direta ou discurso do político, por exemplo), bem como a escolha dos beneficiários ter sido feita de forma objetiva e impessoal.
Não é porque estamos em um momento que implica excepcionalidade nas normas jurídicas que os gestores irão desobedecer aos valores constitucionais e legais, principalmente aqueles que buscam garantir a lisura, a legitimidade e a igualdade de competição entre os candidatos no pleito eleitoral.
Portanto, resta aos gestores e pré-candidatos, com auxílio de uma assessoria jurídica especializada, tomar os devidos cuidados na promoção de ações assistencialistas para o enfrentamento da pandemia. É de primordial importância uma leitura cuidadosa e abrangente acerca das condutas vedadas elencadas na Lei das Eleições de modo a evitar, assim, uma futura ação eleitoral para averiguar qualquer ilícito que possa ter sido cometido neste momento de pré-campanha.
REFERÊNCIAS
Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n.º 5427532, Acórdão de 18.09.2012, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 09.10.2012, Página 17.
AGUIAR, Max. Pré-candidata ao Senado denuncia vereador de Cuiabá por distribuir máscaras com logomarca. Disponível em: https://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=470098¬icia=pre-candidata-ao-senado-denuncia-vereador-de-cuiaba-por-distribuir-mascaras-com-logomarca&edicao=3 . Acesso em: 18 de junho de 2020.
CHEIM JORGE; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de Direito Eleitoral. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 368.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 16ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Altas. 2020
KEMPFER, Ângela. Vereador sai por aí abraçando e distribuindo cestas. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/jogoaberto/vereador-esquece-coronavirus-e-sai-por-ai-abrancando-e-distribuindo-cestas . Acesso em: 18 de junho de 2020.
MARANHÃO. Decreto Estadual nº 35.672/20 de 19 de março de 2020. Declara estado de calamidade pública no Estado do Maranhão em virtude do aumento do número de infecções pelo vírus H1N1, da existência de casos suspeitos de contaminação pela COVID-19 (COBRADE 1.5.1.1.0 – Doença Infecciosa Viral), bem como da ocorrência de Chuvas Intensas (COBRADE 2.3.2.1.4) nos municípios que especifica. Diário do Estado do Maranhão, São Luís, 20 de março de 2020. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=391372#:~:text=24%2C%20inciso%20IV%2C%20da%20Lei,6%20de%20fevereiro%20de%202020%3B&text=IV%20%2D%20fica%20vedado%2C%20por%2015,mar%C3%A7o%20de%202020%20(s%C3%A1bado). Acesso em: 18 de junho de 2020.
MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. Recomendação PRE-MA nº 001 de 15 de abril de 2020. Estabelece diretrizes para a atuação dos Promotores Eleitorais do Estado do Maranhão na fiscalização, sob o enfoque da Lei Eleitoral, das medidas adotadas por gestores públicos e voltadas ao enfrentamento da situação de emergência e de calamidade pública decorrente da pandemia do COVID-19. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/ma/sala-de-imprensa/docs/RECOMENDACAO_PRE_MA_No_001_2020__Recomendacao_Promotores_Covid_Assinada.pdf.pdf . Acesso em: 18 de junho de 2020.
PINHEIRO. Igor Pereira. Condutas vedadas aos agentes públicos em ano eleitoral: aspectos teóricos e práticos. 2º Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2018. pag. 33.
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BRASIL. STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 6341/DF – Relator: Min. Marco Aurélio. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão em 15/04/2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 18 de junho de 2020.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n.º 8.144, de 14.8.2007, DJU de 14.9.2007, rel. Min. Gerardo Grossi, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, Classe 2ª.
[1] Advogado. Sócio do escritório Rêgo Carvalho Gomes Advogados. Pós-graduando em Direito Eleitoral pela UFMA. Mestrando em Ciência Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense.
[2] Advogada. Pós-graduanda em Direito Eleitoral pela UFMA.
[3] Advogada. Pós-graduanda em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/CERS.